Na secretaria fôra extranhada a falta primeira de ORLANDO, assiduo até não se ter ausentado do serviço no attrahente dia do matrimonio.

O DIRECTOR do esposo de OLIVIA era reconhecido à assiduidade do moço, e, por duas vezes, determinàra o seu accesso por merecimento.

Ao penetrar na Repartição depois da primeira falta, todos os olhares recahiram no conceituado funccionario, que, perturbadamente, se entregou ao trabalho sem explicações.

Mas, horas depois, na intimidade do gabinete reservado, ORLANDO e o DIRECTOR entravam em confidencia…

—Ah! Sr. Director!

—Estiveste doente?

—Não, não foi doença minha. Antes o fôsse…

—Trocaste o dia?

—Como assim?

—Levaste à conta de um domingo a quinta-feira de trabalhos?

—Tambem não!

—Viajaste a negocio?

—Qual, Sr. Director! Os meus negociou são sómente os de meu dever aqui dentro…

—Não sei explicar a tua falta.

—E eu careço de coragem para dizer…

—Tão futil não ha de ter sido o motivo.

—Eu conto. Foi o meu primeiro filho…

—Felicito-o desde jà.

—Obrigado, Sr. Director. Eu tinha a certeza de sua generosidade. Conhecendo bem a fraqueza de Olivia, tive receios de deixal-a só quando se manifestaram os primeiros incommodos do parto. E confiando em que o acontecimento cedo me daria liberdade para saltar à repartição, fui-me deixando ficar, ora mais embebido nos cuidados que a parturiente exigia, ora menos descontente com o que se ia passando, até que, só na madrugada de hoje, após vinte e duas horas de labutações, se concluiram os trabalhos…

—Fiquei verdadeiramente atordoado com a tua ausencia.

—Não menos me senti eu, Sr. Director, quando, pela manhan de hoje, cahi em mim e vi que faltàra hontem improficuamente, porque…

—Ora, Sr. Orlando! Uma falta não inflúe, tanto mais quanto fui o primeiro a não mandar que se a notificasse. Tenho o bom senso de saber corresponder ao valor dos meus funccionarios.

—Fico embaraçado… Nem sei como lhe agradeça… Ao depois das torturas porque passei, era natural que Deus me désse o allivio de uma honra como a que o Sr. Director acaba de conceder-me.

—E a senhora ficou sem novidade?

—Pouco mais ou menos, Sr.

—Talvez precisasses do dia de hoje para lhe fazeres companhia…

—Qual nada!… Faltar hoje?…

—Não digo isto.

—Então…

—Obter uma dispensa de serviço…

—Nem pensar é bom, Sr. Director. Se me déssem licença eu hoje emendaria o dia com a noite para descontar o atrazo de hontem…{

—São excessos, Sr. Orlando. É justo que um chefe de familia precise dessas lacunas no serviço para gozar mais largamente as venturas de seu lar.

—Estas, francamente, eu só poderia gozar se Olivia tivesse sido feliz no acontecido.

—E não o foi?

—Absolutamente, Sr. Director. Mas, antes de tudo, a obrigação.

—Qual foi o medico?

—Foram apenas dois: o dr. Oscar e o dr. Lucio Trevo.

—Bons medicos, sem duvida.

—E que hão de pedir caro, carissimo, porque realmente trabalharam como um horror…

—Mandarei dar-te uma gratificação para cubrires com ella os extraordinarios desse acontecimento inquietador.

—Não aceitarei, Sr. Director.

—Porque assim?

—Não é soberbia, não. Desculpe-me, mas eu não posso aceitar.

—Quereria ter as razões dessa sua desattenção…

—Não é desattenção, Sr. Supponha que eu aceito. Desfaço-me das minhas difficuldades graças ao seu procedimento generoso. Veiu-me um segundo filho, nas mesmas condições difficeis do primeiro. O Sr. descuida-se e eu não obtenho nova gratificação. Naturalmente me enciumarei com o seu procedimento e o que não quero hoje, não devo esperar amanhan… Pois não é?

—Eu daria do melhor grado.

—Sei disto. Hei de habituar-me a cozer-me com as linhas que tenho… Ao depois, se a parturiente inspira cuidados…

—Não se ficou bem ella?

—Acho que não. Ao depois do parto, começou de ter desmaios consecutivos…

—E o que recommendaram os medicos?

—Repouso. Ó Sr. Director: eu nunca tinha visto um parto… A mulher é uma inditosa, porque em momento nenhum da vida um homem soffre o que Olivia padeceu.

—Pois penso que devias retirar-te.

—Não devo, Sr. Director. O lar é uma preoccupação para fóra das horas da secretaria.

—Até o serviço poderia lucrar com a tua ausencia…

—Perdão, senhor, mas…

—Admiras-te? Não queria falar-te com tanta franqueza para não te consumires ainda mais…

—Por acaso commetti alguma outra falta?

—Gravissima… Sabes porque te chamei?

—Lealmente ignoro.

—Porque te desconheci. Estás um desconchavado e erras todo o serviço. Pelos teus grandes creditos, és aqui dentro um rico de odios e de invejas. Conheço-os todos…

—Agradecido, Sr. Director.

—Cada companheiro teu é um vigia de tudo quanto fazes para diminuirem com os teus lapsos o teu valor. Não o admitto eu.

—Mas, que fiz assim?

—Erraste a somma de uma conta e o thesouro reclama contra a tua informação.

—Oh!… Esta cabeça…

—A conta de Silva & C.ª…

—Sei!… sei!… Então… errei-a?

—Inconvenientemente.

—E sei porque perpetrei o engano…

—É o que tu pensas…

—Por ventura outro me corrigiu?

—Absolutamente não. Serás tu mesmo quem fará este trabalho ao depois…

—Porque não hoje?

—Estás dispensado, incondicionalmente, do serviço por tres dias…

—Não me conformo, Sr. Director.

—Sou irrevogavel.

—No maximo me satisfarei com o dia de hoje.

—Serão tres dias irreductiveis, e pódes ir para a companhia de tua esposa descansar a tua cabeça. Vejo-te perturbado enormemente com o pensamento do que possa ella estar soffrendo a esta hora… Vai, anda!

—Dá licença?

—Pois não.

—Ás ordens do Sr. Director.

—Ah!… Sr. Orlando?

—Sou todo ouvidos.

—Escapou-me de perguntar-te: o teu filho? é homem?

—Perdão, Sr. Director… Mas… não lhe sei responder… Com a atrapalhação da hora não me lembrei… Ah!… sim…

—Que respondes?

—Desculpe-me, Sr. É justo que eu tenha me descuidado tanto?!… Nem verifiquei, Sr. Director, se sou pai, ou…

Sorrira o DIRECTOR e dispensàra de vez ORLANDO, com a inveja crescente de todo o funccionalismo bisbilhoteiro e ignorante dos factos…