No princípio a morte não existia. A morte vivia com Deus, e Deus não queria que a morte entrasse no mundo. Mas a morte tanto pediu que Deus acabou concordando em deixá-la partir. Ao mesmo tempo fez Deus uma promessa ao homem: apesar de a morte ter recebido permissão para entrar no mundo, o Homem não morreria. Além disso, Deus prometeu enviar ao homem peles novas, que ele e sua família poderiam vestir quando seus corpos envelhecessem.
Pôs Deus as peles novas num cesto e pediu ao cachorro para levá-las ao homem e sua família. No caminho, o cachorro começou a sentir fome. Felizmente, encontrou outros animais que estavam dando uma festa. Muito satisfeito com sua boa sorte, pode assim matar a fome. Depois de haver comido fartamente, dirigiu-se a uma sombra e 43 deitou-se para descansar. Então a esperta cobra aproximou-se dele e perguntou o que é que havia no cesto. O cachorro lhe disse o que havia no cesto e por que o estava levando para o homem. Minutos depois o cachorro caiu no sono. Então a cobra, que cara por perto a espreitá-lo, apanhou o cesto de peles novas e fugiu silenciosamente para o bosque.
Ao despertar, vendo que a cobra lhe roubara o cesto de peles, o cachorro correu até o homem e contou-lhe o que acontecera. O homem dirigiu-se a Deus e contou-lhe o ocorrido, exigindo que ele obrigasse a cobra a devolver-lhe as peles. Deus, porém, respondeu que não tomaria as peles da cobra, e por isso o homem passou a ter um ódio mortal à cobra, e sempre que a vê procura matá-la. A cobra, por seu turno, sempre evitou o homem e sempre viveu sozinha. E, como ainda possui o cesto de peles fornecido por Deus, pode trocar a pele velha por outra nova.
Margaret Carey, Contos e Lendas da África (1981), trad. Antônio de Pádua Danesi
Esta é uma história tradicional que surgiu na Serra Leoa, África Ocidental, e procura trazer explicações para alguns elementos da natureza.
O conto fala sobre a chegada da morte no planeta e o modo como os humanos perderam a imortalidade, mesmo que essa não fosse a vontade divina. Segundo a lenda, as cobras trocariam de pele porque teriam roubado esse poder do ser humano, passando a se renovar ciclicamente.
O dom natural das criaturas, tantas vezes associadas à esperteza e até à malícia, seria uma forma de justificar os sentimentos negativos que elas provocam em alguns seres humanos.