Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou:
– Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante?
Os olhos responderam:
– O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e vemos as coisas.
– Somos nós, porque ouvimos – disseram os ouvidos.
– Estão enganados. Nós é que somos mais importantes porque agarramos as coisas, disseram as mãos.
Mas o coração também tomou a palavra:
– Então e eu? Eu é que sou importante: faço funcionar todo o corpo!
– E eu trago em mim os alimentos! – interveio a barriga.
– Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas, fazemos.
Estavam nisto quando a mulher trouxe a massa, chamando-os para comer. Então os olhos viram a massa, o coração emocionou-se, a barriga esperou ficar farta, os ouvidos escutavam, as mãos podiam tirar bocados, as pernas andaram… Mas a boca recusou comer. E continuou a recusar.
Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças… Então a boca voltou a perguntar:
– Afinal qual é o órgão mais importante no corpo?
– És tu boca, responderam todos em coro. Tu és o nosso rei!
Aldónio Gomes, Eu conto, tu contas, ele conta… Estórias africanas (1999)
O conto popular de Moçambique conta uma história de competição. Quando os órgãos do corpo humano começam a brigar para decidir qual deles é o mais importante, todos passam a desvalorizar o papel dos seus “adversários” para sublinhar o seu.
No final, a disputa tem um mau resultado: todos ficam sem comer e começam a se tornar cada vez mais fracos. A narrativa fala, então, sobre a necessidade de trabalhar em união e colaborar para um bem comum.
Outra questão que é realçada aqui é o valor do alimento. A boca acaba ganhando a discussão, já que a comida é essencial para manter a vida humana. Afinal, como costumamos dizer por aqui, “saco vazio não para em pé”.